quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Obituário assistido

Não sei exatamente em que parte de “não faça isso” as pessoas nunca entendem.

Outro dia estava reparando na rua, algumas crianças andando displicentemente enquanto suas mães conversavam na mesa de um restaurante. Algo me dizia que ia acontecer alguma coisa, mas não quis ouvir a mim mesma e me deixei apenas observar. A rua estava movimentada, o passar dos carros era intenso e muito rápido. Centenas de carros por minutos eu diria. Tanto na vertical como na horizontal. E lá no meio, as crianças.

A mãe mais atenta, percebendo a falta do filho, saiu em sua busca e então lhe puxou no cantinho e disse: “Perto da mamãe, ok? Pode acontecer alguma coisa com você. Um acidente.”. Mais uma vez, ao ouvir aquilo, sabia que, de fato, algo ia acontecer, mas resolvi apenas esperar. A criança pareceu dar ouvidos à conversa com a mãe e sentou-se a seu lado. Enquanto as outras mães, da mesa mesmo, gritavam os nomes das outras crianças.

João, como se chamava o primeiro menino, ficou sentado com a mãe até o final da reunião. Enquanto lhe restava tempo, tomava um sorvete e conversava com o garçom sempre que este lhe trazia algo para comer. Pediu permissão para a mãe, sentou-se no balcão e passou a tarde toda à sua vista, conversando com o garçom. Atencioso em cada gesto do menino conversador.

As outras crianças estavam próximas de suas mães até o primeiro descuido. Voltaram para as áreas que circundavam o restaurante. Becos, vielas, ruas. Caos. E eu as segui como quem esperava um prêmio.

Uma luz forte. Um som de buzina. O efeito dopler na avenida.

Uma freada brusca. Gritos de horror. Mais buzinas. Freios forçados. Dois corpos ao chão.

Ao longe, as mães não entendiam o que se passava na rua. João continuava com o garçom, sua mãe continuava atenta a cada gesto que dava em sua conversa com o gentil rapaz do balcão. As outras mães olhavam para a rua. Mas, onde estão as crianças? Deixaram passar o fato de seus filhos não estarem alí. Quando, então, a bomba estourou. Duas crianças mortas no chão. Um motorista enlouquecendo aos prantos pelo acidente inevitável. E eu recolhendo os pequenos corpos.

Engraçado como a atenção se volta para a morte, nunca para a vida. Agora todos viam as crianças que não viram sair do restaurante. Ninguém as viu correr pelas ruas. Até que seus corpos estivessem no chão. Eu apenas observava. O pranto. O medo. A dor. E recolhia duas almas jovens. Me sentia vitoriosa. Eu era a morte.

Nenhum comentário: